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8 de Maio de 2024

Em defesa do direito de greve e da educação pública

Publicado por Ib Sales Tapajós
há 9 anos

Por IB SALES TAPAJÓS

Foi publicado ontem aqui no JusBrasil um texto do Prof. Durval Carneiro Neto que me deixou intrigado [http://felipebittencourt.jusbrasil.com.br/artigos/193565216/e-preciso-lutar-por-educacao-mas-sem-par...]. Ao mesmo tempo em que afirma que a Constituição Federal garante o direito de greve aos servidores públicos civis, o referido professor defende uma tese que, na prática, acaba por negar o direito de greve dos profissionais da educação, com a justificativa de que prestam um serviço essencial. “Então, se é essencial, não pode parar. Simples assim” – afirma o artigo.

Com a devida vênia, Professor Durval, o assunto não me parece tão simples! E não me parece razoável, à luz da Constituição democrática de 1988, encontrar uma solução para o conflito posto [greve x continuidade do serviço público] eliminando por completo o próprio direito de greve.

Resolvi escrever este texto em resposta ao do Prof. Durval Carneiro Neto porque tenho a impressão de que as opiniões por ele veiculadas encontram ressonância em muitos setores da sociedade brasileira, o que acaba gerando um difuso e preocupante sentimento anti-greve. Daí que pretendo dar uma humilde contribuição ao debate, com base na minha própria experiência profissional.

Sou advogado militante no Estado do Pará e presto assessoria ao sindicato que congrega os trabalhadores da educação da rede pública estadual e das redes municipais. Tenho acompanhado as greves desta categoria e não concordo com a afirmação de que os servidores públicos banalizaram o direito de greve.

Quem participa ou acompanha de perto um movimento grevista sabe que não se trata de um período fácil para ninguém – muito menos para os próprios grevistas, que são submetidos a uma tensão permanente, do início ao fim do movimento. Se as greves no serviço público têm ocorrido com mais frequência do que o normal, a culpa disso é dos governos que não têm se esforçado o suficiente para negociar e atender as pautas dos servidores (as quais, na maioria das vezes, envolvem o simples cumprimento de direitos assegurados em lei).

De todo modo, o art. da Constituição Federal assegura o direito de greve aos trabalhadores e dispõe que compete a eles decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. “Quando” e “por que” fazer greve é assunto a ser discutido e aprovado pelos próprios trabalhadores, conforme definiu o constituinte de 1988.

DIREITO DE GREVE X CONTINUIDADE DO SERVIÇOS PÚBLICOS

Importante consignar que, inserido no art. do texto constitucional, o direito de greve deve ser tratado com status de direito fundamental, como reconheceu o STF no julgamento histórico do Mandado de Injunção nº 712/PA: “A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. (MI 712, Relator (a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206).

É evidente, por outro lado, que o exercício do direito de greve se choca com o princípio da continuidade dos serviços públicos, o qual goza de destacada relevância no Direito Administrativo pátrio. Há, portanto, uma colisão de normas constitucionais, que impõe ao intérprete o dever de harmonizar a tensão existente. O ministro Luís Roberto Barroso ensina que, em casos assim, deve-se buscar uma concordância prática das normas em contradição, a fim de “produzir um equilíbrio, sem jamais negar por completo a eficácia de qualquer delas” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2010, p. 206).

Em outras palavras, é preciso buscar uma solução que não inviabilize a continuidade dos serviços públicos, nem o direito de greve. A Lei nº 7.783/89 (aplicável aos servidores públicos por força de decisão do STF) nos ajuda a enfrentar essa questão, pois dispõe que (a) devem ser assegurados os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável à empresa ou órgão público (art. 9º); (b) nos serviços/atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados a garantira prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11).

Essa sistemática da Lei de Greve mostra-se compatível com a ponderação entre o direito de greve e as necessidades da coletividade. Até porque prevê maior rigidez para as atividades consideradas essenciais. Mas aí aparece no caminho outra questão problemática: o que se deve considerar como atividades essenciais, para fins de greve?

Nesse ponto parece haver uma confusão generalizada entre a maioria dos membros do Poder Judiciário, que tendem a entender “serviço essencial” como sinônimo de “serviço socialmente relevante”.

EDUCAÇÃO E SERVIÇOS ESSENCIAIS, SEGUNDO A LEI DE GREVE

No que tange à educação, é lógico que se trata de um serviço relevante para a sociedade, que merece atenção especial e investimento do poder público. Mas não se trata, para fins de greve, de um serviço essencial.

Explico.

A Lei nº 7.783/1989 fixou, em seu art. 10, um rol de serviços e atividades considerados essenciais [p. Ex.: assistência médica e hospitalar, captação e tratamento de lixo; controle de tráfego aéreo].

Há consenso na doutrina de que o art. 10 da Lei de Greve não encerra um rol taxativo, mas exemplificativo, havendo outros serviços essenciais que não constam no referido dispositivo. Todavia, a própria Lei de Greve estabelece os CRITÉRIOS para se aferir a essencialidade ou não das atividades e serviços, no art. 11, parágrafo único, in verbis:

“Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Como se percebe, a definição de essencialidade dos serviços não decorre da relevância dos mesmos, mas sim de serem os mesmos inadiáveis – isto é, a ausência de prestação coloca em risco a saúde, segurança e sobrevivência da população. Neste sentido, é muito precisa a lição do Prof. Dr. Estêvão Mallet:

Atividade essencial não se confunde com atividade voltada à tutela de direito fundamental do cidadão. O primeiro conceito é mais limitado e estreito. Educação e lazer são direitos considerados fundamentais pelo legislador constituinte, como se deduz de sua referência no art. , caput, da Constituição. Mas não se há de sujeitar greve nas áreas de educação e lazer às restrições apostas aos serviços essenciais. A paralisação de tais serviços não põe em risco imediato a satisfação de necessidades urgentes e inadiáveis da população.” (MALLET, Estêvao. Dogmática elementar do direito de greve. São Paulo, LTr, 2014, P. 111)

Portanto, com a devida vênia aos que pensam diferente, não há como enquadrar a educação como serviço essencial para fins de greve, pois a paralisação de servidores da educação não põe em risco a satisfação de necessidades urgentes e inadiáveis da população. Vale dizer: não há risco à sobrevivência, saúde ou segurança da coletividade.

Repita-se: atividade/serviço essencial não se confunde com atividade socialmente relevante ou com atividade que busca atender um direito fundamental do cidadão. Entender assim seria desfigurar o instituto da greve tal qual regulado pela Constituição Federal e pela Lei 7.783/1989, impondo restrições desmedidas às greves de servidores públicos.

SOBRE A EFICÁCIA DA GREVE COMO MÉTODO DE LUTA

Por fim, destaco minha discordância com Durval Carneiro Neto no seguinte ponto: “Não acredito que greve de professor vá ajudar na luta pelo ensino público de qualidade, nem sequer na luta por melhores condições para o professor”.

A História recente da educação pública no Brasil mostra o contrário. A Lei Federal nº 11.738/2008 (conhecida como LEI DO PISO) consiste, sem dúvida, num dos principais avanços no que tange à remuneração dos professores da educação básica e só foi aprovada/sancionada graças à mobilização desses profissionais, inclusive com utilização das greves como método de pressão. Depois disso, vários governos estaduais e municipais passaram a pagar o piso nacional do magistério somente após muita pressão dos professores.

Muitos questionam a eficácia da greve como método de luta, mas poucos (pouquíssimos!) conseguem apontar métodos alternativos igualmente eficazes. Ao invés de questionar o legítimo exercício do direito de greve dos servidores públicos, melhor seria então criticar e combater a “greve branca” nos serviços públicos praticada pelo Estado brasileiro, como bem assinala a ministra do STF, Carmen Lúcia Antunes Rocha:

“Greve não é grave. Ou, pelo menos, não é tão grave quanto a carência de serviços públicos apropriados e excelentes de educação para os meninos do Brasil, a carência de serviços públicos apropriados e excelentes de saúde para os velhos do Brasil, a carência de segurança pública para todos os cidadãos brasileiros, todas as formas de greve branca do Estado ineficiente e inoperante ou operante segundo interesses de uns poucos que se acham os donos do país” (ROCHA, Carmen Lucia Antunes, Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo, Saraiva, 1999, p. 365).

Por isso o mais correto a se fazer é apoiar decididamente as greves dos profissionais da educação em curso no Brasil – tanto a dos Estados como a dos professores e técnicos das universidades federais que iniciou no dia 28 de maio. Antes de criticá-los por estarem exercendo um direito constitucional, cabe dirigir as armas da crítica ao Governo Federal, que anunciou no início do ano o lema “Brasil: Pátria Educadora”, mas efetuou corte recente de R$ 9 bilhões no orçamento do MEC, para promover o “ajuste fiscal”.

O Brasil precisa entender que a qualidade da educação pública depende da valorização dos profissionais da educação. Por isso precisamos, como cidadãos, empreender esforços para que as greves em curso sejam vitoriosas e que a educação pública caminhe rumo a um padrão de qualidade que todos desejamos!

* Ib Sales Tapajós é advogado, especialista em Direito Público. Assessor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará.

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